Grupo I
Ricardo Reis
Lê o poema e responde ao questionário
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
Ricardo Reis, 1-7-1916
1- Indique três regras da arte de viver, justificando com expressões do poema.
As três regras da arte de viver, que podemos destacar, são: aceitar o nosso destino tal como ele é, sem o questionarmos “Segue o teu destino” (v.1); viver com simplicidade, sem questionar nada “Viver simplesmente.” (v.13) e nunca questionar a vida, isto é, deixarmos correr a vida sem nos intrometermos, vivendo calmamente “Vê de longe a vida./ Nunca a interrogues” (vv. 16 e 17).
2- Mostre em que medida se diferencia a realidade daquilo que "somos".
A realidade diferencia-se daquilo que “somos” porque a realidade corresponde sempre, de um certo modo, àquilo que desejamos “A realidade/Sempre é mais ou menos/ Do que nós queremos” (vv. 6 a 8). Não correspondendo por completo ao que queremos porque a realidade está dependente do destino. Já nós correspondemos sempre a “nós-próprios” (v.10), apesar de fazermos apenas o que já nos foi predestinado.
3- Indique o modo em que se encontram as formas verbais "Segue" (v.1), "Rega" (v.2), "Ama" (v.3), "Deixa" (v.14), "Vê" (v.16) e "Imita" (v. 22) e refira o respectivo valor expressivo.
As formas verbais “Segue” (v.1), “Rega” (v.2), “Ama” (v.3), “Deixa” (v.14), “Vê” (v.16) e “Imita” (v.22) encontram-se no modo imperativo.
O eu lírico utiliza o imperativo para reforçar a ideia que esta filosofia de vida é a melhor para se adquirir a felicidade. O sujeito poético aconselha uma vida tranquila sem intromissões no seu curso.
4- Para Ricardo Reis, a apatia é o ideal ético, é o comportamento que convém seguir na vida. Escolha a expressão que melhor exprima essa apatia, justificando a resposta.
A expressão que melhor exprime a apatia, ideal ético de Ricardo Reis, é “Vê de longe a vida./Nunca a interrogues” (vv.16 e 17) porque estes versos mostram que o sujeito poético defende uma vida calma e de indiferença, sem nunca a questionar. O eu lírico aceita o seu destino, sem nunca se opor a ele.
Os Lusíadas
78
Um ramo na mão tinha... Mas, ó cego,
Eu, que cometo, insano e temerário,
Sem vós, Ninfas do Tejo e do Mondego,
Por caminho tão árduo, longo e vário!
Vosso favor invoco, que navego
Por alto mar, com vento tão contrário
Que, se não me ajudais, hei grande medo
Que o meu fraco batel se alague cedo.
79
Olhai que há tanto tempo que, cantando
O vosso Tejo e os vossos Lusitanos,
A Fortuna me traz peregrinando,
Novos trabalhos vendo e novos danos:
Agora o mar, agora experimentando
Os perigos Mavórcios inumanos,
Qual Cánace, que à morte se condena,
Nũa mão sempre a espada e noutra a pena;
80
Agora, com pobreza avorrecida,
Por hospícios alheios degradado;
Agora, da esperança já adquirida,
De novo mais que nunca derribado;
Agora às costas escapando a vida,
Que dum fio pendia tão delgado
Que não menos milagre foi salvar-se
Que pera o Rei Judaico acrecentar-se.
81
E ainda, Ninfas minhas, não bastava
Que tamanhas misérias me cercassem,
Senão que aqueles que eu cantando andava
Tal prémio de meus versos me tornassem:
A troco dos descansos que esperava,
Das capelas de louro que me honrassem,
Trabalhos nunca usados me inventaram,
Com que em tão duro estado me deitaram.
82
Vede, Ninfas, que engenhos de senhores
O vosso Tejo cria valerosos,
Que assi sabem prezar, com tais favores,
A quem os faz, cantando, gloriosos!
Que exemplos a futuros escritores,
Pera espertar engenhos curiosos,
Pera porem as cousas em memória
Que merecerem ter eterna glória!
Os Lusíadas, Canto VII
O texto pertence a uma das invocações d’ Os Lusíadas.
1- Releia a estância 78. Identifique os elementos do discurso que, nesta estância, constituem marcas de invocação.
Na estância 78, constituem marcas de invocação os seguintes elementos do discurso: “vós, Ninfas do Teja e do Mondego” (v.3); “Vosso favor invoco” (v.5) e “se não me ajudais” (v.7).
2- Baseando-se no texto, refira cinco aspetos marcantes da caracterização que o sujeito poético faz da sua vida.
De acordo com o texto, o sujeito poético caracteriza a sua vida como sendo de pobreza (v.17), cheia de desilusões sucessivas (vv.19-20) e de desterro (v.18).Uma vida de sofrimento causado por aqueles que deveriam honrá-lo (vv.29-32) e de desconsideração pela tarefa a que se propôs nas duras condições em que se encontra (vv.1-2 e 4-6).
3- Explicite um dos valores expressivos da anáfora “Agora” (vv. 13, 17, 19 e 21).
A anáfora “Agora” (vv.13, 17, 19, 21) expressa uma vida cheia de ritmo por desgraças e rápidas esperanças.
4- Atente na estância 82. Analise a crítica social e política expressa nessa oitava.
Na estância 82, o poeta critica o desprezo das pessoas pelos artistas, pois não reconhecem a importância destes na preservação e glorificação da memória nacional.
Tomando-se a si como exemplo, alerta para as consequências futuras deste desprezo, que favorecerá o aparecimento de novos talentos conduzindo à estagnação artística do país e da perda da memória colectiva.
Mensagem
O mostrengo
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
D' El-rei D. João Segundo!»
1) Identifique o mito presente no poema e mostre as expressões com que é caracterizado.
O poema gira em torno da figura do “mostrengo”, um mito que consiste numa figura que aterroriza até os navegadores mais corajosos.
As expressões que o caracterizam são “ergueu-se a voar” (v.2) e “rodou imundo e grosso” (v.13).
2) Integre este poema na estrutura formal da Mensagem e justifique a sua resposta.
Este poema integra-se na 2ª parte da Mensagem- Possessio Maris (Posse do Mar). Esta parte caracteriza os marinheiros, que se aventuravam pelo mar desconhecido, cheios de coragem, prontos para descobrir novos territórios.
3) Faça referência ao valor simbólico do Mostrengo, confrontando-o com o episódio do gigante
Adamastor em Os Lusíadas.
Este poema, “O Mostrengo”, tem muitas semelhanças com o episódio do Adamastor n´Os Lusíadas, de Luís de Camões. Tal como neste episódio, ele é o guardião do mar, no cabo das Tormentas. Simboliza também as dificuldades, os medos, a coragem e os obstáculos que os portugueses tiveram de ultrapassar.
4) Faça o levantamento de, pelo menos, quatro recursos estilísticos presentes e refira-se à sua expressividade.
As figuras de estilo presentes no poema são: a repetição (“El-Rei D. João Segundo”); a anáfora (“De quem” (v. 10 e 11), “Três vezes” (v. 19 e 20); a adjectivação (“tectos negros” (v.7) e “imundo e grosso” (v.13)) e a hipérbole (“no fim do mar” (v.1)).
5) O que representará o “homem do leme” neste poema?
O “Homem do leme”, neste poema, simboliza os portugueses que não têm medo e são representantes do rei D. João II. Simboliza um povo de coragem que quer descobrir novos territórios e dominar o mar.
6) Refira-se ao valor simbólico do número três.
O número três está expresso em todo poema: este está dividido em três estrofes e a referência a este número é feita nos versos 3, 4 , 12, 13, 19, 20, 21. O número três remete para a união entre Deus, o Universo e o Homem, pelo que é um número que representa a totalidade. Por outro lado, o número três sugere ainda as fases da existência: nascimento, crescimento e morte.