Caracterização das Personagens
- Personagens do Poder: São personagens-tipo. Longe de evidenciarem a coesão do poder, elas são a prova de que existiam vários interesses em jogo na regência do reino (os da nobreza, os da Igreja e os dos oficiais ingleses) –“ A questão que temos para resolver (...) consiste em chegarmos a acordo acerca da pessoa que mais convém que tenha sido o chefe da conjura.” As classes dominantes temiam os movimentos liberais que punham em causa a rígida hierarquia tradicional do reino e constituíam uma ameaça aos privilégios a que estavam habituados.
D. Miguel Forjaz (poder político/nobreza):
- Modelo do pequeno tirano, inseguro e prepotente, de carácter calculista, cínico e maquiavélico, avesso ao progresso, insensível à injustiça e à miséria;
- “É a personificação da mediocridade consciente e rancorosa.” Sousa Falcão
- Orgulhoso da sua origem nobre, despreza o povo, demonstrando, assim, um carácter antipopular.
- Homem de gabinete, defensor do absolutismo, sente-se ameaçado pelas ideias de liberdade.
- É o representante da falsa caridade cristã:” é um cristão de Domingo. Todos os dias dá a um pobre pão que lhe baste para se preservar vivo até morrer de fome.”
- Utiliza uma linguagem adequada à sua posição de homem de Estado e no seu discurso recorre a argumentos convincentes que servem as suas conveniências;
- Todo o seu discurso gira em torno de uma lógica oca e demagógica, construindo verdades falsas em que talvez acabe mesmo por acreditar;
- Opõe-se ao progresso por razões meramente pessoais;
- Primo de Gomes Freire odeia-o e teme-o já que ele poderá pôr em causa o seu lugar no poder, uma vez que reconhece no General qualidades que ele próprio não possui. Vive por sentimentos de falsidade e hipocrisia, que o levam a condenar, sem provas, o general, capaz de abalar o regime “podre” em que vivia.
- Profere a frase Felizmente há luar...
Principal Sousa (poder religioso):
- Hipócrita e com falta de valores éticos, paternalismo falso e beato;
- Defende um Deus feito à imagem e semelhança dos homens;
- Pretende manter o povo na ignorância para poder exercer a sua tirania, para mais facilmente o moldar, vivendo atormentado com o aumento da alfabetização.
- Preocupam-no também as ideias revolucionárias liberais francesas, uma vez que a sua divulgação poria em causa o poder eclesiástico.
- Através dele são demonstrados todos os vícios da Igreja e as contradições entre a palavra que se apregoa nos púlpitos e os actos que se praticam – “dá esmola aos pobres e condena à forca os que pretendem acabar com a pobreza, (...) condena a mentira em nome de Cristo e mente em nome do Estado.”
- A linguagem que utiliza liga-se à sua condição de homem fanático e membro da Igreja. É uma linguagem estereotipada, igual a qualquer outro eclesiástico da altura.
Beresford (poder militar):
- Cínico e controverso, é um mercenário inglês, hipócrita, egoísta e insensível;
- Representa o domínio do exército inglês em Portugal.
- Assume o processo de Gomes Freire não como um imperativo nacional ou militar, mas apenas motivado por interesses pessoais
- Não perde a oportunidade de ridicularizar o Principal Sousa e provocá-lo com o seu discurso sarcástico – “Preferia certamente que me exprimisse em latim?”
- A sua posição face a toda a trama é nitidamente de distanciamento crítico e irónico, acabando por revelar a sua antipatia face ao catolicismo caduco (fraco) e ao exercício incompetente do poder, que marcam a realidade portuguesa.
- A linguagem utilizada é frequentemente sarcástica, especialmente quando fala com o Principal Sousa. As suas réplicas são curtas, incisivas, manifestando o desprezo que esta personagem sente pelos outros governadores.
- A sua opinião sobre Portugal fica claramente expressa na afirmação “ Neste país de intrigas e de traições, só se entendem uns com os outros para destruir um inimigo comum e eu posso transformar-me nesse inimigo, se não tiver cuidado.”
- Personagens do antipoder: formam um grupo destacado, revelando-se ao longo da acção fiéis aos seus valores e a si próprios, unidos pela amizade e fidelidade a Gomes Freire.
Gomes Freire de Andrade:
- Segundo o próprio autor, ele «está sempre presente embora não apareça».
- Esta personagem ganha existência somente na fala das outras personagens.
- Assume uma importância fundamental no desenvolvimento da acção, pois influencia o comportamento de todas as outras personagens, tornando-se o centro das suas preocupações e ansiedades.
- Homem culto, instruído, letrado (um estrangeirado), militar que lutou pela honestidade e justiça até às últimas consequências.
- Grão-mestre da Maçonaria, símbolo da modernidade e do progresso, adepto das novas ideias liberais e, por isso, considerado revolucionário e perigoso para o poder instituído.
- Amado pelas personagens que aspiram à liberdade, à abolição do regime absolutista instituído.
- Odiado por aquelas que vêem a sua presença como uma ameaça aos privilégios até então obtidos.
- O povo elege-o como símbolo da luta pela liberdade, o que é incómodo para os “reis do Rossio”. Daí a decisão dos governantes pelo enforcamento, seguido de queima, para servir de exemplo a todos aqueles que tentem afrontar o poder político.
Matilde de Melo:
- Personagem forte, com grande densidade psicológica, carregada de simbologia;
- Mulher corajosa, defensora da sinceridade, denuncia a falsidade e a hipocrisia do Estado e da Igreja. Luta por causas perdidas – justiça, lealdade, valentia.
- Companheira de todas as horas de Gomes Freire, do ponto de vista afectivo, manifesta-se uma mulher apaixonada que vai tomando consciência da inevitabilidade do fim do seu companheiro, ainda que com alguma esperança, culminando num estado de delírio, alucinação, face à perda iminente do seu homem.
- As suas falas, cheias de dor e revolta, constituem também uma denúncia da falsidade e da hipocrisia do Estado e da Igreja.
- Exprime romanticamente o amor; reage violentamente perante o ódio e as injustiças; afirma o valor da sinceridade; desmascara o interesse, a hipocrisia:
“ Ensina-se-lhes que sejam valentes para um dia virem a ser julgados por covardes! Ensina-se-lhes que sejam justos para viverem num mundo em que reina a injustiça! Ensina-se-lhes que sejam leais, para que a lealdade, um dia, os leve à forca!
- Matilde ora desanima, ora se enfurece, ora se revolta, mas luta sempre:
“Enquanto houver vida… força… voz para gritar… Baterei a todas as portas, clamarei, por toda a parte, mendigarei, se for preciso, a vida daquele a quem devo a minha!”
Sousa Falcão:
- É o amigo fiel de todas as horas de Matilde e Gomes Freire.
- Sofre com Matilde a condenação do General que teve a coragem de “dar a cara” nas situações mais difíceis.
- Nutre uma grande admiração pelo General e pelos princípios que ele defende. A sua morte leva-o a reflectir sobre si próprio, sentindo-se culpado por não ter o mesmo destino que este, não ter a coragem de o acompanhar até ao fim. “Fosse eu digno da ideia que de mim mesmo tinha, e estava lá em Baixo, (...) ao lado de Gomes Freire (...) As ideias (...) [dele] são também as minhas, mas ele vai ser enforcado – e eu não.”
- Frei Diogo: É inocente, sensível e compreensivo à dor. Constitui-se como o símbolo do antipoder dentro da Igreja – Se há santos, Gomes Freire é um deles.
- Personagens do Povo:
Manuel e Rita:
- Símbolos do povo oprimido e esmagado têm consciência da injustiça em que vivem, sabem que são simples brinquedos nas mãos dos poderosos, mas sentem-se impotentes para alterar a situação.
- Vêem em Gomes Freire uma espécie de Messias e daí, talvez, a sua agressividade em relação a Matilde, após a prisão do General, quando esta lhes pede que se revoltem e que a ajudem a libertar o seu homem.
- A prisão de Gomes Freire é uma espécie de traição à esperança que o povo nele depositava.
- Acabam também por simbolizar a desesperança, a desilusão, a frustração de toda uma legião de miseráveis face à quase impossibilidade de mudança da situação opressiva em que vivem.
- Traidores: Representam os denunciantes que vendem informações ao Poder em troca de dinheiro. Homens sem escrúpulos, de personalidades mesquinhas, que não respeitam os seus próprios códigos morais.
Vicente:
- Personagem modelada, que revela evolução – passa do povo para os traidores.
- Elemento do Povo que trai os seus iguais, chegando mesmo a provocá-los, apenas lhe interessando a sua ascensão político-social.
- Falso nas palavras, nas atitudes e nos gestos, que encena e estuda como se fosse um membro da nobreza, à qual desejava ter pertencido.
- Revela-se o popular mais consciente da situação miserável em que vivem, sobretudo quando apresenta as razões pessoais que o levam a aliar-se ao regime actual e a transformar-se em denunciante.
- Autocaracteriza-se quando diz:
“Só acredito em duas coisas: no dinheiro e na força. O general não tem uma nem outra e (…) Os degraus da vida são logo esquecidos por quem sobe a escada… Pobre de quem lembre ao poderoso a sua origem… Do alto do poder, tudo o que ficou para trás é vago e nebuloso. (…) Nunca se fala de traição a quem sobe na vida.”
Morais Sarmento e Andrade Corvo:
- O primeiro é capitão do exército e atormenta-se com o facto de o poderem rotular de traidor.
- O segundo é oficial e preocupa-se somente com o dinheiro que vão receber, não se importando com o que dele poderão dizer.
- São os denunciantes por excelência, aqueles a quem não repugna trair ou abdicar dos ideais, para servirem obscuros propósitos patrióticos.