Memorial do Convento enquanto Contra Epopeia
Uma epopeia é um conjunto de acontecimentos históricos narrados em verso que podem não apresentar os acontecimentos com exactidão, serve para imortalizar lendas.
No Memorial do Convento isso não acontece. Saramago descreve acontecimentos de forma fidedigna, prestando grande atenção aos pormenores. Não tenciona imortalizar a história mas sim descrever o sofrimento, a dor e as alegrias vivenciadas pelas pessoas que de alguma forma contribuíram para a construção do convento, assim como, aproveitou para fazer algumas críticas referentes à sociedade daquele tempo.
A epopeia narra feitos históricos e acontecimentos que têm conceitos morais e atos exemplares que funcionam como modelos de comportamento, e atribuem um carácter quase divino ao herói, que pode ser individual ou colectivo, que é caracterizado por ser um ser de excepção, um ser que, pela sua origem, pelas suas características, se distancie dos outros e que consegue enfrentar obstáculos sobrenaturais e forças da natureza.
Saramago resgata do anonimato o povo humilde que é assumido como o verdadeiro herói construtor do Convento de Mafra. O povo fez grandes feitos, com grande esforço, trabalho, capacidade de sobrevivência e sofrimento apenas para satisfazer as vontades do seu Rei. Lutando contra o calor o frio e a lama. Como heróis individuais temos Blimunda e Baltasar, um é maneta e o outro tem capacidades sobrenaturais. Estes seguem as suas motivações sendo estas sempre moralmente justas ou eticamente aprováveis, mesmo que ilícitas, como a foi construção da passarola que era vista como um crime para a inquisição e a sentença podia ser a morte na fogueira. O amor que une estas personagens é o suficiente para superar qualquer problema, ate fazer com que a passarola voe, Baltazar construiu-a e Blimunda angariou as nuvens negras necessárias para que esta voasse. Juntos conseguiram o impossível. Baltasar na obra é comparado a Deus, assim como os heróis das epopeias.
Epopeias, como Os Lusíadas, o papel ativo dos Deuses é fundamental, quer na ajuda dada ao herói, quer nas invocações e apelos que os heróis lhe fazem nos momentos de maior perigo e ameaça. Enquanto no memorial Deus não tem um papel tao ativo na obra, apesar de se falar nele, pois a sociedade retratada era bastante devota e religiosa. Tudo o que acontecia, quer fosse mau quer fosse bom, era a vontade de Deus e por isso deveríamos respeitar e louva-la, pois não há nada superior a ele nem mesmo o Rei. Não esquecendo uma multidão de santos que também teriam de venerar.
A construção do convento teve uma grande repercussão nacional, pois pessoas de todas as terras foram convocadas a fazerem parte da construção daquele grande monumento, que iria ser uma glorificação para o Rei e para a boa imagem do país aos olhos da igreja. Pois estes acreditavam que o espírito santo tinha sobrevoado o convento aquando a sua construção e este era constituído por a mãe de todas as pedras, que foi uma proeza sobre humana, que muito trabalho, e até uma morte causou a ser transportada.
Numa epopeia o narrador é omnisciente e dirige-se a um grupo de ouvintes. E no memorial o narrador tem um discurso que lhe permite revisitar o passado e recuperar vidas que a História esqueceu. O narrador revela-se quase sempre omnisciente e assume a posição heterodiegética. Por isso este vai servir-se de outros processos ligados à narração, como a utilização de comentários irónicos e divagações.
SILVA, Pedro; CARDOSO, Elsa; MOREIRA, Maria; RENTE, Sofia (2012): Expressões 12 - Português - 12.º Ano. Porto: Porto Editora