Personagens

  • D. João V

D. João V representa o poder real que condena o povo a servir a sua religiosidade fanática e a sua vaidade.

Cumpridor dos seus deveres de marido e de rei, D. João V assume apenas o papel gerativo de um filho e de um convento, da qual a intimidade e o amor se encontram ausentes.

Amante dos prazeres humanos, a figura real é criticada pelo narrador, de forma multifacetada: é o devoto fanático que submete um país inteiro ao cumprimento de uma promessa pessoal (a construção do convento, de modo a garantir a sucessão) e que assiste aos autos-de-fé; é o marido que não evidencia qualquer sentimento amoroso pela rainha, apresentando nesta relação um aspecto quase animalesco, realçado pela utilização de palavras que remetem para esta ideia (como a forma verbal “emprenhou” e o adjetivo “cobridor”); é o megalómano que desvia as riquezas nacionais para manter uma corte dominada pelo luxo, pela corrupção e pelo excesso; é o rei vaidoso que se equipara a Deus nas suas relações religiosas; é o curioso que se interessa pelas invenções do padre Bartolomeu de Gusmão; é o esteta que convida Domenico Scarlatti a permanecer em Portugal; é o homem que teme a morte e que antecipa a sua imortalidade, através da sagração do convento no dia do seu quadragésimo primeiro aniversário.

  •  D. Maria Ana Josefa

A rainha representa a mulher que só através do sonho se liberta da sua condição nobre para assumir a sua feminilidade.

D. Maria Ana é caracterizada como uma mulher passiva, insatisfeita, que vive um casamento baseado na aparência, na sexualidade reprimida e num falso código ético, moral e religioso. Os sonhos são a única manifestação da rainha que sucumbe, posteriormente, ao sentimento de culpa. A perversa atracção impura que sente por D. Francisco, seu cunhado, conduzem-na a uma busca constante de redenção através da oração e da confissão. A rainha vive num ambiente repressivo, cujas proibições regem a sua existência e para a qual não há fuga possível, a não ser através dos sonhos, onde pode explorar a sua sensualidade. Consciente da virilidade e infidelidade do marido (abundam os filhos bastardos), D. Maria Ana assume uma atitude de passividade e de infelicidade perante a vida.

 

  • Baltasar Sete-Sóis

- É uma personagem plana.

- Caracterização física:

  • «Cara escura e barbada»
  • Olhos cansados
  • Boca triste
  • Maneta

 

- Caracterização psicológica:

 

  • Jovem, tem apenas 26 anos
  • Um homem simples e elementar
  • Fiel
  • Analfabeto
  • Meigo
  • Aceita a sua vida com naturalidade, bem como, a mulher que o destino lhe ofereceu, sem protestos
  • Não tem medo do trabalho nem da morte
  • Humilde
  • Honesto

 

- Apelido: Sete-Sóis

  • Sete: é um número mágico, que aponta para a totalidade (sete dias da semana, sete pecados mortais, sete cores do arco-íris)
  • Sol: símbolo de vida, da força, do poder do conhecimento

- Momentos da personagem ao longo da acção:

  • Baltasar é um dos membros do casal protagonista da narrativa.
  • Foi soldado na Guerra da Sucessão espanhola, donde foi mandado embora por ter perdido a sua mão esquerda (representa a crítica do narrador à desumanidade da guerra).
  • Em Évora, começou a pedir esmola para fazer um gancho que lhe substituiria a mão.
  • Conhece Blimunda em Lisboa, num auto-de-fé e com ela partilha a vida e os sonhos.
  • De ex-soldado passa a açougueiro em Lisboa e, posteriormente, começa a trabalhar na construção do convento.
  • Vai partilhar o sonho da passarola voadora do padre Bartolomeu de Gusmão, ajudando a construí-la e participando no seu primeiro voo.
  • Baltasar acaba por se constituir como personagem principal do romance, sendo quase “divinizado” pela construção da passarola: “maneta é Deus, e fez o universo. (…) Se Deus é maneta e fez o universo, este homem sem mão pode atar a vela e o arame que hão-de voar”- diz o padre Bartolomeu a propósito do seu companheiro de sonho.
  • Após a morte do padre, Baltasar ocupa-se a visitar e restaurar a passarola e, um dia, por descuido, desaparece com ela nos céus. Só é reencontrado nove anos depois, em Lisboa, onde é queimado no último auto-de-fé realizado em Portugal.

 

  • Blimunda

- É uma personagem modelada.

- Caracterização física:

  • Cabelos cor de mel
  • Olhos claros, que vão variando de cor
  • Corpo «alto e delgado»

- Caracterização psicológica:

  • Muito jovem, 19 anos
  • Tem o dom de ver o interior das pessoas quando está em jejum
  • É corajosa (vai sozinha à procura do Baltasar e mata o frade que a tenta violar)
  • É uma mulher forte (assiste à condenação da sua mãe sem deitar uma lágrima)
  • Extremamente apaixonada por Baltasar (procura-o durante nove anos)
  • É religiosa, acredita em Deus
  • Representa o transcendente e a inquietação constante do ser humano
  • Aproxima-se da espiritualidade
  • Grande firmeza interior
  • Sensual
  • Inteligente

“(…)porque olhos como estes nunca se viram, claros de cinzento, ou verde, ou azul, que com a luz de fora variam ou o pensamento de dentro, e às vezes tornam-se negros nocturnos ou brancos brilhantes como lascado carvão de pedra.”

“ (…) Blimunda, olha só, olha com esses teus olhos que tudo são capazes de ver, e aquele homem quem será, tão alto, que está perto de Blimunda e não sabe, ai não sabe não, quem é ele, donde vem, que vai ser deles, poder meu, pelas roupas soldado, pelo rosto castigado, pelo pulso cortado, adeus Blimunda que não te verei mais, e Blimunda disse ao padre, Ali vai minha mãe, e depois, voltando-se para o homem alto que lhe estava perto, perguntou, Que nome é o seu, e o homem disse, naturalmente, assim reconhecendo o direito de esta mulher lhe fazer perguntas, Baltasar Mateus, também me chamam Sete-Sóis.”

 

- Apelido: Sete – Luas

É baptizada pelo padre Bartolomeu de Gusmão (“Tu és Sete-Sóis porque vês às claras, (…) Blimunda, que até ai só se chamava, como sua mãe, de Jesus, ficou sendo Sete-Luas, e bem baptizada estava, que o baptismo foi de padre, não alcunha de qualquer um”).

O nome de Blimunda acaba por funcionar como uma espécie de reverso do de Baltasar. Sol e Lua complementam-se: são a luz e a sombra que compõem o dia- Baltasar e Blimunda são, pelo amor que os une, um só.

- Momentos da personagem ao longo da acção:

  • Conhece Baltasar quando assiste à partida de sua mãe, acusada de feitiçaria, para o degredo.
  • Apaixona-se, de imediato, por Baltasar e este amor puro e verdadeiro, foge às convenções, afastando-se da moral tradicional e entrando no domínio do maravilhoso.
  • Integra-se no projecto da passarola, porque o engenho de voar, era preciso “prender” vontades, coisa que só Blimunda, com o seu poder mágico, era capaz de fazer.
  • Revela o domínio do fantástico, pelo dom que tem de ver “o interior” das pessoas (poder que nunca exerce sobre Baltasar: “Nunca te olharei por dentro”) porque amar alguém é aceitá-lo com reservas.
  • Apaixonada por Baltasar, mantém para sempre uma relação de amor, de cumplicidade e de companheirismo.
  • Com o desaparecimento de Baltasar, Blimunda fica sozinha e procura-o durante 9 anos.
  • Nessas tentativas de reencontrar Baltasar, acaba por matar um dominicano, que a tenta violar.
  • Reencontra Baltasar em Lisboa, no mesmo local onde o conhecera, quando decorre o auto-de-fé.
  • Blimunda recolhe a «vontade» de Baltasar que marca a junção destes dois seres para sempre, o que simboliza a iniciação de uma outra vida de plenitude.
  • Blimunda dotada de poderes paranormais, como a capacidade de ver por dentro (ecovisão), confere à narrativa não apenas a poção mágica que desencadeia o avanço da intriga mas também o ar de mistério que constitui o seu maior encanto.

 

 

Relação amorosa de Blimunda e Baltasar e a sua comparação com a actualidade

Na época (século XVIII)

O amor de Baltasar e Blimunda

A actualidade

O casamento era ainda sagrado. Existiam, ainda, casamentos contratuais, onde não existia amor

Conheceram-se, apaixonaram-se e foram viver juntos, ou seja, esta não foi uma união contratual e não se casaram

As uniões de facto são cada vez mais comuns. Os casais não pensam tanto no casamento

Apenas depois do casamento aconteciam as primeiras relações físicas. A virgindade era conservada até ao dia do casamento

Tiveram relações no dia em que se conheceram

Não há a preocupação com a conservação da virgindade e esta já não é tão importante

A mulher era obrigada a obedecer ao homem e não tinha, praticamente, direitos. Existia uma grande diferença entre o marido e a mulher

Encontravam-se em pé de igualdade, não havia distinção por serem de sexos diferentes

A mulher e o homem são semelhantes e no casal não há diferença.

Marido e Mulher têm os mesmos direitos e deveres

A mulher trabalhava em casa ou não trabalhava, enquanto o homem ganhava o dinheiro para a família

Trabalhavam de igual forma na construção da passarola

Homem e mulher podem desempenhar os mesmos trabalhos

 

  • Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão

O sonho da passarola voadora e a sua futura realidade apresentam o padre Bartolomeu Lourenço como um homem que só conseguirá evitar a Inquisição pela amizade que lhe tem o rei D. João V, que também possui o sonho e a esperança da máquina voadora.

Vive com uma obsessão: construir a máquina de voar. Como cientista, desdenha os fanatismos religiosos da época e questiona todos os princípios inamovíveis da Igreja. Sabe das consequências possíveis da sua heterodoxia, de entre elas a perseguição, e a captura pela temida e arbitrária Inquisição, mas isso parece não preocupá-lo muito.

  • O Povo

Personagem importante, o povo trabalhador construiu o convento de Mafra, à custa de muitos sacrifícios e mesmo de algumas mortes. Definido pelo seu trabalho, pela sua miséria física e moral, pela sua devoção, este povo humilde surge como o verdadeiro obreiro da realização do sonho de D. João V.